Entrevista à Santa Casa da Misericórdia de Pombal
A Gescar inicia hoje um ciclo de entrevistas dedicado à comunidade pretendendo, desta forma, dar o seu pequeno contributo para a maior divulgação de várias organizações e instituições que ao longo da sua existência, muitas vezes, de forma abnegada e silenciosa contribuem decisivamente para o bem-estar comum.
Decidimos começar por um dos nossos clientes que dispensa apresentações, mas que de forma indelével de há muitos anos a esta parte tem marcado a vida solidária do concelho de Pombal, a Santa Casa da Misericórdia de Pombal.
Apresentação do Convidado
A Santa Casa da Misericórdia de Pombal, é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sem fins lucrativos que presta apoio à população sénior e à infância através das várias valências que gere, substituindo em grande medida o Estado no seu papel Social junto dos cidadãos, nomeadamente, os mais desfavorecidos.
Com uma existência de mais de 400 anos mantém-se fiel na defesa dos seus valores e princípios, bem expressos nos seus objetivos, na sua atuação e no sentido da dádiva aos outros, com abnegação e caridade.
A Santa Casa da Misericórdia é a instituição mais antiga de Pombal, servindo os pombalenses desde o século XVI.
Atualmente, apoia diretamente cerca de 120 crianças e 200 idosos e possui um quadro de pessoal com cerca de 125 colaboradores.
A Santa Casa da Misericordia de Pombal promove de uma forma solidária a qualidade de vida dos seus utentes integrados nas várias respostas sociais (lar de idosos, centro de dia, serviço de apoio domiciliário, creche e pré-escolar).
A Instituição conta com 3 edifícios, nomeadamente, o Lar Rainha Santa Isabel onde se encontram as valências de Lar Residencial, Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário, a Casa da Criança de Pombal com as valências de Creche e Pré-escolar e, por último, a Residência Sénior Senhora do Cardal.
É também proprietária do edifício onde está instalado o Hospital Distrital de Pombal, que está arrendado ao Estado.
Assume como missão a integridade, respeitabilidade e a satisfação dos seus utentes e familiares.
Muito agradecemos ao Sr. Provedor Dr. Joaquim Guardado (Prov. J.G.), por ter aceitado o nosso convite e conceder-nos a entrevista que abaixo se transcreve.

Entrevista
Gescar: Para começar, questionamos quais as principais dificuldades que identifica no quotidiano do funcionamento da Instituição?
Prov. J.G: As nossas referências, tal como as de muitas instituições são a solidariedade, a sustentabilidade, a qualidade e a inovação. A questão passa por conciliar estes 4 pilares com os custos envolvidos no funcionamento das valências que gerimos.
Desde logo, o tema central da sustentabilidade da Instituição depende da comparticipação das despesas por parte do Estado que fixa uma quantia transversal ao território, independentemente das suas características e que se baseia num custo médio por utente. Como é que se encontra um custo médio quando os custos são tão dispares a nível nacional? Como comparamos valores na região das Beiras ou Alentejo com os preços de Lisboa ou do Porto?
Apesar das Instituições protocoladas com a Segurança Social terem uma comparticipação fixada por utente, esta não é suficiente para responder aos requisitos mínimos de qualidade exigidos. Embora esteja prevista uma contribuição complementar por parte do utente em função do seu rendimento, esta muitas vezes, não tem qualquer expressão por serem de reformas muito baixas.
Existe também a comparticipação dos familiares que muitas vezes ajuda a uma maior comparticipação.
As pessoas têm a ideia de que o Estado apoia as Instituições, mas o Estado apoia os utentes. Ou seja, se deixar de haver utentes o Estado deixa de pagar à Instituição.
Em relação à questão da sustentabilidade, outro exemplo é que existem bastantes disparidades, visto que existem pessoas que pagam mais e outras que pagam menos por não terem tantas possibilidades. Infelizmente, a realidade é que se o contributo de alguns utentes com rendimentos superiores não compensar o daqueles que estão financeiramente mais debilitados, a sustentabilidade das Instituições é colocada em causa.
Contudo a Misericórdia no seu espírito de solidariedade tem vários utentes que, por não terem possibilidades económicas para pagar, são recebidos na Misericórdia com o mesmo carinho e atenção. Este é o espírito e papel da Misericordia, de ajudar quem mais precisa.
Gescar: Sabemos que a Segurança Social participa com um determinado montante e as instituições cobram outra parte ao utente em função dos seus rendimentos, a questão que se coloca, é se esses dois valores somados são insuficientes para dar sustentabilidade?
Prov. J.G: Por norma, não são suficientes, ou seja, tudo depende da reforma que o utente usufrui. A Comparticipação do Estado é inferior a 50% do custo médio do utente. Existe um pacto social entre o Estado e as Instituições Sociais (Misericórdias e IPSS) que tem por objetivo atingir a comparticipação do Estado de 50% do custo médio do utente mas este objetivo ainda não foi atingido.
Gescar: Como podemos enquadrar a questão do assistencialismo com o aumento gradual da a esperança média de vida?
Prov. J.G: Atualmente, vivemos num cenário em que o tipo de utente que nos procura, ou não tem suporte familiar e não possui condições para estar em casa e, por norma, já está doente. Os lares estão a tornar- se, cada vez mais, lares para doentes dependentes de foro neurológico, como alzheimer, parkinson, sequelas de AVC, entre outras.
E, apesar de não ser obrigatório pelo Estado termos Médico, Fisioterapeutas, Gerontóloga Social, na Santa Casa temos estes profissionais e consideramos fundamental a sua inclusão na Instituição.
Na nossa Instituição, temos uma médica que todas as semanas consulta os utentes e quatro enfermeiras. Como é lógico, tudo isto gera custos adicionais que não são compensados pelas comparticipações do Estado e dos utentes.
A qualidade do serviço que a Misericórdia de Pombal presta deve-se ao facto das pessoas que lá trabalham serem inexcedíveis e estarem imbuídas de um espírito de missão, de ajudar quem precisa e de pensar nos outros. Mais do que as palavras, o importante é a ação!
No caso do Lar Rainha Santa Isabel, existe uma vasta lista de espera e, por outro lado, na Senhora do Cardal a lista de espera é menor. Isto, deve-se ao facto de o Estado não comparticipar os utentes da Senhora do Cardal. Apesar de a nossa candidatura para comparticipação pelo Estado ter sido aprovada, no final vieram-nos informar que não havia verba. Por isso, por agora não haveria comparticipação.
Na freguesia de Pombal só temos duas Instituições apoiadas pelo Estado, nomeadamente, a Misericórdia de Pombal e a Associação da Cumieira, o resto é tudo privado.

Gescar: É fácil encontrar no mercado pessoal para trabalhar?
Prov. J.G: Não é fácil! Mas diria que no caso da Misericórdia tem sido um bocadinho mais fácil por uma simples razão, que é o facto de pagarmos ligeiramente acima da tabela salarial e termos alguns benefícios. Por exemplo, há 3 meses abrimos vagas para auxiliar no novo lar e chegaram-nos 74 candidaturas.
Gescar: As doações e donativos é uma coisa que está a cair em desuso ou são significativos?
Prov. J.G: Felizmente, em relação à nossa comunidade local ainda existem algumas pessoas que têm o hábito de ajudar e apoiar quem mais precisa. Temos alguns casos no passado recente de pessoas que fizeram doações de que estamos muito reconhecidos, desde apartamentos e um terreno, curiosamente onde construímos o novo Lar.
Por outro lado, por exemplo, na consignação do IRS, em que as pessoas não têm qualquer custo, recebemos apenas 1.600 euros de comparticipação. Não sendo uma quantia muito elevada, e agradecemos às pessoas que se lembram da Misericórdia.
Na verdade, ainda há quem pense que a Misericórdia é considerada muito rica, existindo a ideia de que as Misericórdias recebem do Euromilhões e do totoloto, o que não é verdade.
É a Misericórdia de Lisboa que gere o dinheiro dos jogos e que devolve esses lucros ao Estado, ou seja, não há qualquer ligação à União das Misericórdias Portuguesas.
Por outro lado, existe também a ideia de que os membros Órgãos Sociais destas Instituições recebem dinheiro pelo seu trabalho. Na Misericórdia de Pombal, nenhum membro dos órgãos sociais aufere qualquer quantia, quer em ajudas de custo quer em ordenado. Somos apenas voluntários.
A gestão da Misericórdia de Pombal deve-se ao empenhamento da Direção, conhecida como Mesa Administrativa e é o Provedor e o Vice-Provedor que estão mais diretamente ligados à gestão, onde procuram orientar, da melhor forma, a Instituição. No fundo, a Instituição tem nos Órgãos Sociais pessoas que quando solicitadas dão todo o seu apoio e trabalho.

Gescar: É do conhecimento geral, as extensas filas de espera para a admissão nestas instituições. Na sua opinião, que soluções podem ser adotadas para mitigar este problema?
Prov. J.G: Existe uma grande disparidade face à procura e oferta na área da Infância, mais concretamente, na creche. Para terem uma ideia, o ano passado abrimos apenas 18 vagas e tivemos 74 candidaturas.
Este ano tivemos 98 candidaturas para 17 vagas. Mas depois, podemos observar que no pré-escolar (dos 3 aos 5 anos), há uma grande diminuição na procura, visto que já existe uma maior oferta devido ao maior investimento que houve neste segmento, particularmente do Município, sendo que, de momento não existem crianças para sustentar toda a oferta que existe nesta faixa etária.
No caso do Lar da Rainha Santa Isabel que, como já referi, se encontra lotado e com lista de espera, cria- se o desconforto de termos que dizer algumas vezes “não haver vaga para integração do utente”. Resposta que nos custa imenso.
Isto é, não podemos simplesmente tentar arranjar mais um lugar, porque somos fiscalizados pela Segurança Social. Não podemos aumentar a lotação definida.
A realidade é que fazemos um esforço em termos de qualidade, de inovação para sermos diferentes, mas como é lógico tudo isto acarreta custos. Portanto, considero que no caso de Pombal deveria haver um forte investimento na área da Infância até aos 3 anos e nos Lares, uma vez que, atualmente, a oferta que existe face há enorme procura é reduzida.

Gescar: Como encara a hipótese do apoio de investidores sociais da comunidade, nomeadamente, empresas e outras instituições que possam trazer alguma receita adicional?
Prov. J.G: Tudo isso é exequível! Existe até uma legislação sobre isso mesmo, o Mecenato Social. Isto é, as empresas ao apoiarem entidades que desenvolvam a sua atividade no âmbito do sistema social em benefício de causas sociais, usufruem de uma série de benefícios fiscais. No entanto, não existe uma política proativa, nem sensibilidade por parte das empresas para recorrerem a esta lei.
Falando no panorama geral, a maior parte das Instituições da Europa não têm Misericórdias nem IPSS’s mas sim ONG’s. Aparentemente, existe alguma dificuldade de compreensão por parte da sociedade civil sobre o tema da economia social, sobre o papel destas Instituições, sobre a responsabilidade dos Estados, etc. Certo é que na generalidade dos países o estatuto do voluntário é muito mais valorizado do que em Portugal e esta realidade é também o sintoma da falta de interação dos agentes económicos em geral com os agentes da economia social. Por exemplo, em Inglaterra os CV’s de candidatos que participam em ações de voluntariado são valorizados pelas empresas que recrutam.
Há uns tempos atrás, o Senhor Presidente da República dizia “Porque é que os senhores empresários mais abonados não criam fundações?”. Para termos uma ideia, muitos dos apoios dados às famílias nos incêndios de Pedrogão Grande vieram de fundações europeias; aqui entre nós as fundações não têm a mesma expressão.
Gescar: No seu dia-a-dia as instituições estão muito ocupadas deixando para segundo plano a interação com a comunidade, acabando por passar despercebido à população o número de instituições que existem para apoiar. Considera eficaz a comunicação da instituição para o exterior?
Prov. J.G: Não partilho dessa opinião! A Misericórdia de Pombal está na Internet, temos website onde publicamos notícias e nas redes sociais onde publicamos também com regularidade. Divulgamos as nossas atividades da Feira de Artesanato em Pombal e outras.
Gescar: Recentemente, foi feito um investimento para Pombal, que tem que ver com a Residência Sénior da Senhora do Cardal. Que projetos há para o futuro?
Prov. J.G: Neste momento, o futuro da Instituição passa por manter o mínimo desafogo financeiro, uma vez que o investimento da Residência Sénior da Senhora do Cardal, não usufruiu de qualquer apoio do Estado nem dos Fundos Comunitários. Ou seja, o único apoio que obtivemos foi da Autarquia no executivo anterior, presidido pelo Dr. Diogo Mateus. Tivemos de contrair um empréstimo junto de uma entidade bancária para suportar o investimento do novo lar da Residência Sénior, e que vai demorar algum tempo a ser liquidado.
Para já está fora de questão, neste momento qualquer investimento de grande dimensão.
Só com apoio financeiro dos Fundos Comunitários ou do próprio Governo é que poderíamos avançar
No entanto, segundo a informação que foi divulgada para futuros investimentos do famoso PT2030, haverá muito pouco apoio destinado à área social.
Neste momento, só podemos contar com o nosso dinheiro, com a Autarquia e com o apoio das pessoas que possam ajudar. Só assim é que a Instituição poderia ponderar projetos futuros.
Gescar: Tem sido muito comentada a necessidade no concelho de uma unidade de cuidados continuados, não só para servir o concelho, mas até para servir pessoas fora do concelho. Vê alguma viabilidade em haver aqui uma conjugação por parte de várias instituições particulares de solidariedade social, conjuntamente com a Autarquia?
Prov. J.G: As Unidades de Cuidados Continuados têm que ter na minha opinião, uma entidade ligada à área social, não pode ser um consórcio de várias instituições. Outra questão, é o apoio financeiro que o Estado terá que rever, quer na construção dessas unidades, quer na comparticipação dos utentes.
Na minha opinião, temos que pensar que Unidade de Cuidados Continuados deveremos ter, ou UCCI generalistas em que entram todos os tipos de doentes com doenças diferentes, ou pensar em Unidades mais especializadas e caminhar para áreas de atuação com utentes com o mesmo tipo de doença.
Como já referi, considero que é necessário para Pombal uma Unidade de Cuidados Continuados, mas há que rever critérios de financiamento deste tipo de investimentos em relação à comparticipação pública. Entidades que investiram neste tipo de unidades estão a sentir agora alguns dissabores em termos financeiros. Isto, porque a comparticipação do Estado ficou muito aquém das necessidades reais. Portanto, hoje em dia, investimentos de maior dimensão deverão ser perspetivados com cuidado. Para já, a Misericórdia, pretende manter a sua capacidade financeira para estar preparada para possíveis imprevistos.
Ainda em relação à questão da Unidade de Cuidados Continuados, é necessário perceber que, referente à área de influência da ARS Centro, os distritos que têm menos Unidades de Cuidados Continuados
curiosamente são Leiria e Aveiro. Portanto, a ideia de que o litoral não precisa de tantos apoios à construção de equipamentos sociais é contrariada por estas informações.
As UCCI têm que manter uma boa relação com a área social. Porque terminado o tempo do utente numa UCCI, esses utentes são enviados para os lares que tenham condições de o receber. É um trabalho que precisa de algum planeamento.
Outra questão pertinente, é o PT2030 que irá ter apoios essencialmente na área da Saúde. Ou seja, a maior parte das verbas preparadas pelos Fundos Comunitários são para essa área, sendo que seria relevante repensar e discutir estes assuntos em conjunto.
É necessário haver uma ligação entre as áreas social e da saúde, para que estes assuntos sejam discutidos a nível nacional e, para que, as Instituições que estão mais ligadas a estes assuntos falem com o Governo.
Gescar: São esses os grandes desafios da solidariedade social? Se tivesse oportunidade de gerir a pasta da Solidariedade Social com orçamento ilimitado, quais as medidas prioritárias que tomaria?
Prov. J.G: Antes de mais, considero que seja crucial compreender que é necessário dar condições às Instituições para que as mesmas consigam ser sustentáveis. É urgente descentralizar para se poder avaliar adequadamente que projetos necessitam realmente de ser apoiados. Isto é, deveria contar-se com a opinião de quem está mais perto do terreno particularmente nos apoios do PRR entre outros.
Por outro lado, além do apoio do Estado é necessário que as Autarquias também financiem as Instituições de caracter social, mas através de regulamentação própria.
Gescar: Para finalizar, qual a mensagem que gostaria de deixar à comunidade pombalense?
Prov. J.G: Quero afirmar que podem contar sempre com a Misericórdia de Pombal porque somos uma Instituição em que se pode confiar. Estamos ao serviço dos pombalenses há mais de 400 anos e tentaremos fazer sempre tudo o que pudermos dentro das nossas possibilidades. Se podíamos fazer mais? Com certeza, mas muitas vezes a nossa capacidade financeira não o permite fazer, porque tem limites.
Podemos honrar-nos, por hoje, dispormos de dois lares, uma creche e um infantário, com um serviço que se impõe pela sua qualidade, de que todos nós nos podemos orgulhar.
Quero salientar também que o suporte da Misericórdia são os funcionários, não é só o Provedor e a Mesa Administrativa, mas sim os funcionários que estão ao serviço todos os dias, 24h por dia.
Todo esse mérito também pertence aos colaboradores.
Digamos, são eles a mola da imagem da instituição pela sua dedicação e profissionalismo.
Contudo, concluo, referindo que acreditem que poderão contar sempre com a nossa Solidariedade, com o máximo de qualidade nos serviços que prestamos com inovação. O nosso propósito passa por sermos melhores e diferentes todos os dias, ajudar a construir um Pombal e uma Misericórdia de que todos se possam orgulhar.